União poderá bloquear bens de devedores tributários sem a necessidade de processo judicial

03 de abril de 2018 | Por Silvio Luiz de Costa e Cristiane Aparecida Schneider Boesing


Os contribuintes foram surpreendidos com a recente Lei nº 13.606/2018 que permite à União bloquear bens para garantir dívidas tributárias inscritas em dívida ativa sem a necessidade de deflagrar medida cautelar fiscal ou antes mesmo de iniciado o processo judicial de cobrança.

 

Encerrada a fase administrativa de constituição do crédito tributário e mantida a exigência fiscal, a sua cobrança sempre dependeu da inscrição em dívida ativa e subsequente execução em processo judicial, contraditório e ampla defesa.

 

A Lei de Execuções Fiscais estabelece que o executado será citado para pagar a dívida em cinco dias ou oferecer bens em garantia no processo de execução judicial. Não o fazendo, a penhora recairá sobre qualquer de seus bens, exceto os absolutamente impenhoráveis. Uma vez realizada a penhora, abre-se prazo de 30 dias para o executado opor embargos à execução fiscal, que consiste na sua defesa na via judicial. É o que dispõem os arts. 8º, 10 e 16 da Lei nº 6.830/1980.

 

O art. 185-A do CTN também atribui ao juiz o poder de ordenar a indisponibilidade de bens, e desde que, devidamente citado o devedor em execução fiscal, este não efetue o pagamento, nem ofereça bens à penhora no prazo legal e não sejam encontrados bens penhoráveis.

 

Em situações específicas, a Fazenda Pública pode ainda se valer do procedimento cautelar fiscal estabelecido na Lei nº 8.397/1992 para obter judicialmente a indisponibilidade de bens de contribuintes com créditos tributários constituídos e pendentes de pagamento. Porém, a indisponibilidade de bens sempre passou pelo crivo do poder judiciário.

 

Já o art. 25 da recente Lei nº 13.606/2018 antecipa para a fase administrativa o bloqueio de bens em garantia de créditos tributários federais inscritos em dívida ativa. Passa a permitir à Fazenda Pública Federal “averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhor, tornando-os indisponíveis” (art. 20-B, § 3º, II, da Lei 10.522/2002), caso o contribuinte não pague o crédito tributário no prazo de cinco dias contados da notificação da inscrição em dívida ativa.

 

Antes disso, a autoridade administrativa estava autorizada apenas a proceder ao arrolamento de bens de que trata o art. 64 da Lei 9.532/1997, nos casos de crédito tributário superior a 30% do patrimônio conhecido. Tal medida, entretanto, não tornava os bens indisponíveis, tão somente obrigava o proprietário a comunicar a alienação, transferência ou oneração desses bens.

 

A Portaria PGFN nº 33/2018 (publicado no DOU de 09/02/2018) veio regulamentar essa nova possibilidade trazida pela Lei nº 13.606/2018. Denominou o procedimento de averbação pré-executória e determinou a sua aplicação aos devedores inscritos em dívida ativa da União após decorridos 120 dias da data da publicação da portaria (meados de junho/2018), não se aplicando, por isso, aos já inscritos e aos que virem a ser inscritos até a sua entrada em vigor.

 

Referida portaria também possibilita ao contribuinte oferecer espontaneamente e de forma antecipada garantia em execução fiscal ou apresentar Pedido de Revisão de Dívida Inscrita (PRDI), ambos no prazo de 10 dias da notificação da inscrição do crédito tributário em dívida ativa (art. 6º, II, da Portaria PGFN 33/2018).

 

Nos termos dos arts. 13 e 14 da Portaria, a aceitação da garantia antecipada em execução fiscal oferecida pelo devedor viabiliza a emissão de certidão de regularidade fiscal e impõe ao Procurador da Fazenda Nacional o prazo de 30 dias para o ajuizamento da correspondente execução fiscal.

 

Neste aspecto, a portaria incorpora entendimento já consolidado perante o STJ (REsp 1.123.669/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos). Via de regra, o contribuinte que pretendia discutir a exigência em embargos à execução fiscal ficava desprovido de certidão de regularidade fiscal no período que medeia o término do processo administrativo e a formalização de garantia em execução fiscal e, por consequência, via-se obrigado a lançar mão de medidas judiciais para antecipar a garantia de execuções fiscais com o intuito de manter seu status de regularidade fiscal.

 

Porém, não oferecida espontaneamente a garantia antecipada ou não apresentado o pedido de revisão no prazo regulamentar, a Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN fica autorizada a adotar uma série de medidas tendentes a compelir o contribuinte a satisfazer o crédito tributário (previstas no art. 7º da Portaria PGFN nº 33/2018), entre as quais: o protesto; a inscrição em cadastro de devedores; a averbação pré-executória (bloqueio de bens); a representação aos bancos públicos para fins de não liberação de créditos oriundos de recursos públicos, repasses e financiamentos; a exclusão de benefícios e/ou incentivos fiscais; a representação ao órgão competente para fins de rescisão de contrato celebrado com o Poder Público Federal, Estadual ou Municipal (para estes dois últimos quando se tratar de tributos destinados a seguridade social), entre outras.

 

No que se refere especificamente à averbação pré-executória, o art. 22 da Portaria PGFN nº 33/2018 estabelece que são passíveis de bloqueio os bens sujeitos a registro público que integram o patrimônio se pessoa física ou o ativo não circulante se pessoa jurídica, ainda que não estejam declarados ou escriturados na contabilidade. Não envolve, portanto, valores depositados em contas bancárias.

 

Uma vez realizado o bloqueio, o devedor poderá impugná-lo no prazo de 10 dias (art. 25 da Portaria PGFN nº 33/2018). Não apresentada ou rejeitada a impugnação, a PGFN terá o prazo de 30 dias para ajuizar a execução fiscal. A não observância deste prazo, ensejará a liberação do bem (art. 30 da Portaria PGFN nº 33/2018).

 

Tão logo foi publicada a polêmica Lei nº 13.606/2018 já se tornou alvo de Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, que estão sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio.

 

Os contribuintes têm receio de que a prática possa ser utilizada de forma arbitrária, especialmente porque a matéria deveria ter sido debatida e tratada em projeto de lei próprio e não vir embutida em norma que trata de assunto diverso e que não estabeleceu precisamente os critérios desse bloqueio; nem tampouco ser regulamentada exclusivamente por portaria, que pode ser facilmente alterada por não depender do necessário processo legislativo.

 

No âmbito legislativo, foi apresentado o Projeto de Lei nº 9.623 em 22/02/2018, com a proposta de revogação do dispositivo que vem sendo alvo de críticas. A justificação apresentada é a seguinte: “Com a edição da Lei nº 13.606, de 9 de janeiro de 2018, foi introduzido um art. 20-B na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002. Em que pese o aprimoramento ao ordenamento jurídico constante do caput e dos §§ 1º a 2º do citado artigo, temos que reconhecer a patente inconstitucionalidade, aparentemente não notada durante a tramitação original da matéria no Congresso Nacional, do § 3º do mencionado dispositivo.” Em 20/03/2018 foi requerido regime de urgência urgentíssima para sua apreciação.

 

É fato que os créditos tributários já possuem garantias e privilégios para a sua cobrança. O bloqueio administrativo de bens, de forma unilateral, deve ser visto com cautela para que não se apequenem direitos constitucionais conquistados pelos contribuintes para a manutenção do equilíbrio da relação jurídica entre o Estado e o contribuinte. Não se deve consentir com a criação de medidas que equivalham a sanções políticas que impeçam ou dificultem o desenvolvimento regular das atividades do contribuinte enquanto ele discute legitimamente exigências fiscais, por vezes, indevidas e decorrentes de interpretações divergentes da intrincada legislação tributária.



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