FUNRURAL: a polêmica continua

22 de janeiro de 2018 | Por Silvio Luiz de Costa, Cristiane Aparecida Schneider Boesing e Natalia Faistel


Parcelar com redução de juros a contribuição vencida até 30/08/2017? Esse período é seguramente exigível com base na receita? A Lei nº 13.606/2018 pode exigir a cobrança imediata do novo FUNRURAL ou deve respeitar a anterioridade nonagesimal? Eis as questões!


Com a Lei nº 13.606/2018 (institui o Programa de Regularização Tributária Rural – PRR) o empregador rural pessoa física tem a oportunidade de parcelar débitos de FUNRURAL vencidos até 30/08/2017 com redução de 100% dos juros de mora.

 

O prazo para aderir ao parcelamento termina em 28/02/2018. A adesão implica em confissão de dívida e exige a desistência prévia de recursos administrativos e ações judiciais que tenham por objeto os débitos que serão quitados. A pretensão do governo é de apaziguar os conflitos.

 

Mas será que o FUNRURAL vencido até 30/08/2017 realmente pode ser exigido dos contribuintes com base na receita?

 

O Supremo Tribunal Federal havia julgado inconstitucional a cobrança do FUNRURAL do empregador rural pessoa física com base no artigo 25, I e II, da Lei nº 8.212/1991 na redação atualizada até a Lei nº 9.528/1997 (Recurso Extraordinário nº 363.852/MG julgado em 2010).

 

Com a declaração de inconstitucionalidade da contribuição substitutiva, o Judiciário vinha entendendo que os produtores rurais pessoas físicas deveriam recolher a contribuição sobre a folha de salários, nos termos do artigo 22, da Lei nº 8.212/1991.

 

Mais recentemente, entretanto, o Supremo surpreendeu com decisão que considerou constitucional a partir do advento da Lei nº 10.256/2001 a contribuição do FUNRURAL incidente sobre a receita (Recurso Extraordinário nº 718.874/RS - tema 669 da repercussão geral).

 

Embora a Lei nº 10.256/2001 tenha alterado apenas o caput do artigo 25 da Lei nº 8.212/1991, deixando de incluir na sua redação os incisos I e II que tratariam da base de cálculo e alíquota, entendeu a Corte Suprema que estes mesmos incisos, embora declarados inconstitucionais, poderiam ser aproveitados pelo legislador ordinário, porque ainda válidos para o segurado especial, bem como porque o Senado não havia decretado a suspensão da execução daqueles dispositivos.

 

Veio o Senado Federal e editou a Resolução nº 15/2017, suspendendo a execução dos incisos I e II declarados inconstitucionais pelo Supremo ainda em 2010. A Resolução do Senado repercute na decisão do Supremo proferida no Recurso Extraordinário nº 718.874/RS. Tanto que foram deduzidos múltiplos Embargos de Declaração pelos contribuintes.

 

Diante desse imbróglio, é aguardada com muita ansiedade a decisão do Supremo que poderá decidir se é factível a cobrança do FUNRURAL com base na Lei nº 10.256/2001 após a edição da Resolução do Senado, fazendo valer dispositivos legais que tecnicamente estão suspensos e segundo a tradição de nosso direito, com efeitos retroativos (norma declarada inconstitucional é reputada nula desde a edição).

 

Por sua vez, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sinalizou no Parecer PGFN/CRJ nº 1.447/2017 que considera legítima a cobrança do FUNRURAL com base na receita a partir da Lei nº 10.256/2001, mesmo após a vinda à lume da Resolução do Senado.

 

O cenário gera incertezas, porém, na hipótese de o contribuinte, por cautela, aderir ao parcelamento – submetendo-se às condições exigidas pela Lei nº 13.606/2018 – e, posteriormente, o STF vier a reconhecer a ilegitimidade da cobrança dos débitos confessados, ainda seria possível postular a rescisão do parcelamento, já que toda obrigação tributária tem causa exclusiva na lei, desimportando a manifestação de vontade. Nessa hipótese, em favor de sua pretensão poderia ser invocado o disposto no § 4º do art. 1º da Lei nº 13.606/2018, que encerra uma intenção inequívoca de permitir aos contribuintes retornarem à condição anterior ao ato de confissão da dívida.

 

Outro aspecto da recente Lei nº 13.606/2018 também merece destaque. Além de tratar do PRR, referida lei reduziu a partir de 01/01/2018 a alíquota do FUNRURAL sobre a receita de 2% para 1,2%, “alterando” o inciso I do artigo 25 da Lei nº 8.212/1991 (cuja anterior redação inconstitucional era dada pela Lei nº 9.528/1997), e igualmente introduziu o § 13 a esse dispositivo, possibilitando a partir de janeiro/2019 a opção por recolher a contribuição ao FUNRURAL sobre a receita bruta ou sobre a folha de salários (nos termos do artigo 22, I e II, da Lei nº 8.212/1991).

 

Se considerarmos que a Resolução do Senado, suspendendo a execução dos incisos I e II do artigo 25 da Lei nº 8.212/1991, acarretou a extinção do FUNRURAL, porque deixou essa contribuição sem base de cálculo e alíquota, pode-se sustentar que a Lei nº 13.606/2018 acabou por "instituir" ou, no mínimo, "modificar" (completando) a contribuição prevista no caput do artigo 25 da Lei nº 8.212/1991. Desse modo, deveria respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal (previsto no artigo 195, § 6º, da Constituição Federal: As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’”).

 

Recorde-se que a Medida Provisória nº 793/2017, que precedeu a edição da Lei nº 13.606/2018, perdeu seu efeito pois teve o prazo de vigência encerrado, não tendo como ser usada para justificar a noventena.

 

Todas essas controvérsias reclamam uma rápida solução pelo Judiciário, ante a insegurança jurídica que se criou. Os contribuintes deverão procurar amparo judicial para evitar os riscos de se tornarem inadimplentes perante a Receita Federal se deixarem de recolher a contribuição com base na receita. Tanto a antiga (se houverem débitos antigos), quanto a nova, com alíquota de 1,2% da receita bruta.

 

Cumpre finalmente ponderar o seguinte: ainda que a exigência dessa contribuição sobre a receita venha a ser afastada em algum desses períodos e por uma das razões citadas, os contribuintes poderão ser compelidos a recolher a contribuição com base na folha de salários, cuja base de cálculo e alíquotas estão previstas no artigo 22, I e II, da Lei nº 8.212/1991. A Fazenda poderá alegar que se a contribuição substitutiva não vingou, vale a contribuição geral, que não foi revogada em nenhum momento.

 

Vê-se que o conflito não se solveu, mas se acentuou.



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